domingo, 21 de dezembro de 2008

A palavra da Poesia

Já faz tempo que me encantei com os múltiplos sentido no poema. Alguém por acaso não gosta de poemas? Eu não conheço ninguém, felizmente. Por isso sempre sondei as palavras em poesia, aprecio quando brincam com os sentidos, com os significados dados às coisas, com as definições. Todas elas, as palavras e suas definições, se enlaçam, seduzem-se pelo dom do poema e transgridem o reino desses significados pré-determinados. As palavras, acabam se rendendo aos encantos de quem faz poema, porque sabem que não serão maltratadas, mal interpretadas.

Sartre ao escrever "Que é a Literatura?" faz uma distinção entre a forma literária e poética. Para ele, a poesia é feita da materialidade das palavras, do trabalho com os sons, não tem necessariamente que transmitir uma mensagem, ter vínculo ou referência com o significado. As palavras tornam-se coisas e não signos/significados como no sentido estrito dado pela linguagem que busca nomear o mundo.


“... na verdade, a poesia não se serve de palavras; eu diria antes que ela as serve. Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem.” (Sartre)

O autor aqui parece acompanhar os clássicos que se esforçaram para caracterizar a poesia como desprovida de realidade pois a captura da realidade nela é fugaz; se apresenta desprovida de significado definível, sujeita a degradação e com fortes indícios de sofrer uma transubstanciação. A palavra na poesia, assim como na música não vem para dar um sentido, só representa o significado por meio de um efeito mágico, metafórico, sem forma para o engajamento portanto.

Aliás, é bom lembrar aqui que até mesmo na República de Platão, os poetas foram seres dispensáveis à uma boa democracia. Huuuummm! Pra quem não conhece essa pedra no sapato da história, é bom ler o artigo de Edson Cruz, na Revista eletrônica Cronópios, intitulado "O poeta é mais que um fingidor, é um enganador, quase um sofista".

É verdade que a palavra toma outra função quando posta em poema. A função é de transgredir o código, sair do habitual, do esperado e consagrado, do significado já dado. Palavras também se empoderam como mensagem quando seu código, seu significado é usado de maneira incomum. Sartre lança o argumento de que a palavra poética embala os sonhos, os desejos, que traz em sua natureza uma memória afetiva, como se fossem prolongamentos etéreos dos sentidos, por isso ganha um vasto universo nesse microcosmo provido de espírito...

“E quando o poeta junta vários desses microcosmos, dá-se com ele o mesmo que se dá com os pintores quando juntam cores sobre a tela, dir-se-ia que ele compõe uma frase, mas é só aparência; ele cria um objeto. As palavras coisas se agrupam por associações mágicas de conveniência ou desconveniência, como as cores e os sons; elas se atraem, se repelem, se queimam e sua associação compõe a verdadeira unidade poética que é a frase-objeto. Com mais freqüência ainda, o poeta já tem no espírito o esquema da frase, e as palavras vêm em seguida.” (Sartre)





Ess
e assunto ainda gera tanta coisa pra pensar que a Editora Museu da República, lançou em 2005 o Livro REPÚBLICA DOS POETAS, organizado por Ricardo Ruiz que inclusive transformou-se também num sarau multimídia. É a poesia fazendo suas misturas, suas peraltices em meio á cultura.










Então, alguns poemas. Começamos com as mulheres, por uma questão de gentileza e de crédito para com os sabores dado às p
alavras:


Mulher de Minutos, Mônica Montone

Não sou mulher de minutos
Daquelas que os segundos varrem para
debaixo do tapete sujo
Não pinto os cabelos de fogo
Nem faço tatuagem no umbigo

Me recuso a usar corpetes e cinta-liga

Há sementes em meu ventre
São poemas que ainda
não reguei
Prefiro guardá-los em silêncio

Até que o tempo amadureça meus minutos

E a vida me contemple com seus frutos

Não borro meus cílios com a solidão da noite

Nem pinto meu rosto com a palidez das manhãs
Meu corpo é feito de m
arés
Onde navegam mil anseios
Veleiros sem direção

Estou sempre na contramão



Dona Doida, Adélia Prado
Extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso

com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,

as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,

decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,

trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,

com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,

meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove.


Atrás dos Olhos das Meninas Sérias, Ana

Cristina César
Extraído do livro "A teus pès", Editora Brasiliense, 8º edição,1992, São Paulo, página 23.

Mas poderei dizer-vos que elas ousam? Ou vão, por
injunções muito mais sérias, lustrar pecados que

jamais repousam?




Motivo, Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe

E a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

Não sinto gozo nem tormento,

Atravesso noites e dias

No vento.

Se desmorono ou se edifico,

Se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.

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